Estudando por muitos anos História da Arte faz com que a gente tire algumas conclusões sobre a Arte e os artistas, as quais ficam depois impressas pra sempre.
Em Ribeirão Preto tive o imenso privilegio de ter uma amizade próxima do artista e fotografo Francisco Amêndola. Nas nossas muitas conversas sobre arte, ele sempre com seu senso prático, dizia frases que ficavam como lições, para posteriormente criarem sentido dentro de um contexto maior de aprendizado com a vida.
Uma delas que sempre dizia era que: Arte é um segredo que é passado de mão em mão.
Ficava intrigado com isso. Pensando comigo que talvez ele estivesse sendo um pouco exclusivista. Pois Arte é de livre acesso como todos os bens culturais. Que segredo seria esse? O da fama do artista? O "pulo do gato" do artista? que seria passado de artista para artista com exclusividade?
Amêndola era um artista pragmático e tinha convicções por muitas coisas, as vezes era irônico, mordaz, mas sempre sincero, doa se quiser. No seu espirito notívago muitas vezes encontrávamos num balcão de algum barzinho e ficávamos trocando ideias até tarde da madrugada, ou seja, eu aprendendo mais que tudo.
Em meados do século XIX o pintor Gustave Courbet seguia as regras de representação da Academia francesa, portanto com sua visão pessoal, em dado momento transgrediu as propostas temáticas e o teor da mensagem que passaria através de suas telas. Na famosa obra “O Ateliê do Artista”, de 1855, cria o rompimento com a arte alegórica e religiosa do passado, fazendo nesta obra uma alegoria a sua própria vida, que demonstra explicitamente sua concepção egocêntrica da vida. Colocando a sua direita as pessoas amigas e importantes da sociedade e a esquerda os “outros”, em sua próprias palavras “Aqueles que cujas vidas poucos importam: o povo, os destituídos, os pobres, os ricos, os explorados, os exploradores, os que especulam com a morte." E ainda pelas suas próprias palavras seu quadro era uma “alegoria real” daí o nome dado ao momento estético que se seguira: o Realismo. Passando essa maneira de enxergar os porquês da arte para Manet e em seguida no desafio de pintar uma paisagem do real para Monet e os demais impressionistas que vieram depois, enredando todo esse passar de mão em mão até chegar nas vanguardas do século XX, cada mão que pegava colocava sua contribuição e passava pra frente com modificações
Assim como os artistas gregos do período de Péricles passaram para o futuro império macedônico de Alexandre, o Grande, a ideia e a técnica para atingir o belo através da sagrada proporção e em seguida para o império Romano, após a derrocada deste império, percorrendo assim um longo período da história antiga os cânones da beleza clássica, criando suas particularidades ao ser passado de mão em mão, ou seja, de cultura para cultura. Referendando aqui a ideia do Amêndola conforme colocado acima.
Após essas considerações vamos agora a “Tradicional” Semana de Portinari que acontece anualmente em nossa vizinha e querida cidade de Brodowski, para homenagear nosso grande artista Candido Portinari.
Essa festa das artes, que neste ano de 2021 chegou a sua 46ª edição, tendo, portanto, iniciado em 1976. Tornando uma feliz tradição cultural, graças ao esmerado empenho da direção e funcionários do Museu Casa de Portinari (não citando ninguém especificamente para não fazer diferença, pois sinto que todos são fieis ao grande projeto), o que transformou aquela que, era apenas uma casa visitada dos amantes da arte, num Museu maravilhoso de alto nível de conservação e qualificação internacional.
Achei em meus arquivos aqui, minha primeira participação se deu em 1996. Mas bem antes, em1984, já tive contato com o Museu no projeto “O Artista da “Quinzena” criado por Pedro Manuel Gismondi, fazendo uma pequena exposição lá. Desde então a Semana teve pequenas alterações no modelo original, mas nada significante dentro do proposito da Semana de Portinari.
Lembro-me até hoje minhas primeiras tentativas de ser pintor. Meu cunhado José Cerri que tinha habilidades em marcenaria, vendo meu interesse pela arte, me fez umas telas de saco de estopa. E na primeira que fez em seguida já fui pintando uma cópia de uma obra de Portinari. Eu acho que intuitivamente o contato com o estilo dele, o cubismo, a geometrização das figuras, foi o que me pegou. Muita vontade tinha de pintar, mas “non have money”, tentava várias coisas, nos suportes mais variados que surgissem a minha disposição, com qualquer tinta também que achasse pela frente. Estou falando aqui da faixa de idade que tinha que era entre 10 e 12 anos.
Eis que me aparece uma saída. Meu irmão mais velho, José Rui me levou para conhecer o Leopoldo Lima. Que otimo! Material de custo insignificante para realizar obras, caixotes de pinus onde vinham as “manzanas argentinas” para vender na feira, um ferro quente para queimar a madeira, e mais adiante conseguindo um formão para entalhar e um pirógrafo para modelar a fogo as figura. Pegava minha bicicleta, e lá ia até a rua André Rebouças no bairro Ipiranga ver o Leopoldo trabalhar. Passava horas ali com ele vendo talhar sua obra. Olhar sempre carinhoso e sorridente comigo. Só de ver aprendia.
La com ele
aprendi que “Fazer arte é se fazer feliz”, primeira grande lição.
A medida que fui
crescendo e conseguindo comprar tintas passei inicialmente a pintar minhas
pirogravuras e depois passei para suportes de compensados de madeira e logo em
seguida para a tela.
Nessa passagem encontrei obras de Siqueiros, muralista mexicano, em um dos seus murais "Cuauhtemoc contra o Mito", ele põe duas esculturas pintadas ao pé do mural, ou seja, duas pedras esculpidas conforme as figuras abaixo.
Fiz então uma ponte, pensando nestas figuras, entre a pirogravura e a pintura (não restando nenhuma imagem da minha obra obra) e mais alguns outros como “O corpo bêbado e a garrafa vazia” que ainda possuo uma foto (abaixo a direita).
Mas
logo logo achei meu caminho pelo cubismo e expressionismo, observando
Portinari, Marc Chagall e os muralistas mexicanos. Mais adiante fui achar
Picasso e com isso, pelos meus meios intuitivos, encontrei minha forma de expressão artística.
A partir de
1995 passei a compartilhar minha experiência artística montando cursos no
ateliê. Ou seja, passando para as mãos dos meus alunos o que sabia.
Aí que entra então
a Semana de Portinari, que, quando acontecia, chamava meus alunos em peso para
compartilhar dessa festa ao grande artista brasileiro. Na pintura mural eu tinha que
funcionar como um maestro. Pensava num tema pictórico e subdividia os espaços e
as funções para execução de cada um.
Sendo
convidado há vários anos para participar, acabei criando muitos amigos na
cidade e com todo o pessoal do Museu. A valorização da Arte e dos artistas
estabelecida a tantos anos pelo projeto de fomento da ACAM - Associação
Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari, me faz sentir orgulhoso e
homenageado indiretamente pela maneira que é proposta a Semana. Onde o mais
importante é a participação aberta e de coração a todos que quiserem prestigiar
a Arte. Não há politicalhia, ou concepções teóricas demagógicas que privilegia
esta ou aquela maneira de fazer arte. Deixando de lado os vícios teóricos e
críticos. Apresentando-se como uma Festa das Arte, simples assim e
ponto.
A resistência ao longo de muitos anos da direção
do Museu para não mexer nesse modelo, torna a Semana cada vez mais um espaço seguro
de manifestações artísticas de alto astral dos participantes, os quais assim
como eu não gostam dessa areia movediça de egos, onde mais
importante e ficar na disputa, do que comparecer com o espirito festivo e aberto
que a arte proporciona, se assim quiser.
Para fazer a
ligação de tudo que foi dito acima com a frase do Amêndola, “Arte é um segredo
que é passado de mão em mão”, podemos dizer em relação a isto que o que o Museu e
sua administração faz é construir pontes para os novos artistas para ali buscarem num
mesmo lugar sua expressão artística, pela convivência, interatividade e ainda a
valorização da Arte pela Arte. Podendo assim se situarem sem obstruções críticas e
desdéns intelecto-ideológicos. Sendo também um verdadeiro fomento para a criação de
novos admiradores, amantes da cultura e possíveis novos artistas. Passando da
memória de Portinari que esta impressa em cada tábua do assoalho e em cada parede agora milimetricamente preservada nesta grandiosa “capela da arte” Museu Casa de Portinari,
para nossas futuras gerações .
Com certeza
para Candinho, pela sua personalidade, os dois lados do quadro de Courbet seria
importante pra ele, pois tinha o olhar carinhoso tanto para com seus amigos
próximos como para os trabalhadores da terra, excluídos e retirantes que
incansavelmente retratou com a expressão de um grande lavrador da Arte. Sendo
assim, o segredo (do Amêndola) era não ter segredo, só estender a mão. Como também não ter
lado de preferência, todo ser humano tem seu valor.
PINTURA MURAL 46ª SEMANA DE PORTINARI 2021 - BRODOWSKI
Que texto maravilhoso!
ResponderExcluirMuito bom o texto, muito bom ver o artista enveredar pelas estradas do passado, encontrando a si próprio em algumas curvas. De menino a homem feito, os flertes e o casamento com a arte. Do pirografo aos pinceis, assistimos o nascimento de um artista. Uma delícia de ler.
ResponderExcluirMuito bom o texto, muito bom ver o artista enveredar pelas estradas do passado, encontrando a si próprio em algumas curvas. De menino a homem feito, os flertes e o casamento com a arte. Do pirografo aos pinceis, assistimos o nascimento de um artista. Uma delícia de ler.
ResponderExcluirObrigado pelo comentario Ana! Fico feliz!
ExcluirAmêndola foi meu professor na Belas Artes de Araraquara. Com ele aprendi a ser EU como pintor
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