Ninguém poderia imaginar naquele momento do clic, posando para esta foto, a extensão da vida. Nem era para estar, pois estava sendo vivida. Mas eu agora depois de mais ou menos uns 43, 44 anos que estou aqui de frente dela tentando desenhar cada uma das figuras, num exercício cerebral para decorar as feições e expressões facias, buscando captar cada traço, cada sombra, cada volume, com meu lápis. Fico pensando então em cada um a medida que vou riscando o papel:
Ao fazer o bigode escovinha e os óculos de meu pai, bem ao centro da foto, tentando encaixar o sorriso que estava na foto, fiquei imaginando quanto feliz era com essa sua família, apesar de todos os sofrimentos; a Léia, minha cunhada, logo ao seu lado, esta lá, mocinha ainda, sorridente, com seu cabelo amarrado, a vida, talvez, parecia-lhe boa ali ao nosso lado; a minha mãe logo em seguida a ela indo para a direita, com um sorriso altivo e o olhar confiante em todos; meu irmão David, logo abaixo do meu pai, ao meu lado, com seu sorriso matreiro de moleque danado que maliciava rápido as coisas, diferente de mim, que estou à direita em baixo, pareço com o olhar benevolente e singelo; a esquerda de meu pai esta minha irmã Marta com seu ar responsável e um sorriso um pouco nervoso; e por fim minha irmã Maria, meninona ainda com um sorriso tímido, mas sincero de alguém que nesse momento sorri para dentro também.
A porta de vidro aberta atrás de nós, entrada da casa onde ficaram tantas recordações de um tempo que se foi. Deixando a lembrança carinhosa da minha infância. Se não fosse o clic que registrou essa imagem, roubando assim, um lapso de segundo do passado para entregar-nos no presente.
A imaginação sem a imagem, desse tempo, guardada na memória, seria só de vultos quase apagados, sombrios, distantes. Com o auxilio de um lápis tento trazê-lo de volta, resgatando um pouquinho ao desenhar, a alegria daquele raio de sol que nos cingia num dia de céu muito azul, escritos nos brilhos de nossas faces de então.