sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

DOIS MINUTOS E QUARENTA SEGUNDO

 DOIS MINUTOS E QUARENTA SEGUNDOS

Dois minutos e quarenta segundos, exatamente isso! O tempo de meu ovo ficar no ponto exato depois que começa a ferver de manhã quando ponho na leiterinha para ferver. Demorei alguns dias pra chegar a esse tempo, depois que me meti a curtir um ovo quente pela manhã. Tentativa e erro. Sincronizando e marcando ate chegar ao ideal. O ideal para meu gosto, mas cada um tem seu gosto, seu tempo, seu tipo... seu porquê.

Parece uma coisa boba começar falar sobre uma coisa tão corriqueira. Mas com essa experiência boba me remeti a tantas situações que vivi automaticamente, que realizei, que aperfeiçoei e não me dava conta que nesses tipos de situações, estão toda essência da evolução, da cultura, da ciência, da filosofia... etc., humana. Ou seja, todo o processo civilizatório. 

Os dois minutos e quarenta segundos que tenho que ficar esperando o ovo cozer no ponto que eu quero, fico com a mente na condição de expectativa, nos últimos vinte segundos olhando o cronometro e ao mesmo tempo absorta durante um pouco além dos 2 minutos. Esse poco tempo absorto a cabeça vai longe. Mas começa no perto, ali mesmo, no ateliê. O que temos para o dia? Muitas vezes uma obra nova ou uma nova obra, uma restauração encrencada na mesa, uma arrumação diferente, etc. Aliás o ateliê é uma fábrica de desafios. 

Quando tem uma obra nova no cavalete venho já de dentro ruminando saídas para continuar de onde parei, mas muitas vezes tudo muda quando confronto depois de muitas horas fora do contato visual do trabalho iniciado. Minha ideia preconcebida do dia anterior de onde parei, muda ao contemplar assim que avisto novamente. Encontro ângulos que não tinha percebido, formas, matizes, histórias, desejos, sonhos esquecidos, etc., que a combinações guardadas pela noite me vislumbram no retorno do dia.

Quando está em plano uma nova obra nos minutos do ovo fico imaginando o que poderia fazer de novo. Já fiz tantas coisas... montar novas composições de figuras de cores? explorar a plasticidade de novas formas atadas a nuances de cores, de sombras, de luz? Ou tentar contar algum sentimento presente, alguma preocupação? ou uma história feliz?

Dois minutos, as vezes e dez segundos, as vezes e trinta segundos e as vezes quando vejo, fiquei tão absorto nas minhas traquinas mentais que o cronometro já passou dos dois minutos e quarenta segundos. Ai corro e desligo rápido, retiro com uma colher o ovo e ponho debaixo da água da torneira para esfriar. Mas dependendo do dia, a mente não esfria do assunto que tratava para o dia no ateliê.

Quando tem uma encomenda com tema escolhido, fico conjugando varias imagens na mente imaginando-as elaboradas na tela. Arquitetando o tema com cores e formas. 

Quando está em pauta uma restauração encrencada... ufa! As vezes tenho que resolver a invenção de uma ferramenta auxiliar ou toda uma engenharia de manejo para solucionar situações delicadas. Aqueles dois minutos e pouco ficam ruminando uma resposta, que ali naquele tempo não vem. Mas quando a pergunta fica bem formulada para o inconsciente na hora que estou de frente com o problema vem o estalo, a eureca. 

Incrível, mas tudo tem a ver com a observação do tempo certo do ovo. 

Em todas as situações a mente criativa ou laborativa tem seu tempo de deixar no ponto o que você pretende, o que você busca. Como também todo o processo de busca de uma solução para cada problema. A depuração até chegar num modo de resolver da melhor maneira. 

A vida é uma construção de experimentos e experiências. As experiências acumuladas te dão competência para solução de novos problemas. Muitas vezes a gente quer que abra a porta, mas não pesquisamos as palavras mágicas. Essa é a razão da mente bárbara querer vencer na força. A inteligência vence qualquer tipo de força bruta. Aliás a história da civilização esta permeada de situações de tentativas e erros, mas sempre tem alguém pra receber um eureca ou uma maçã caindo na cabeça. A própria palavra civilização é auto explicativa disso.  Somos civilizados na medida que criamos os rudimentos de convivência e bem estar comum. E isso foi um longo processo de adaptação ao meio, aliás é um processo sem tempo pra acabar. Quanto mais civilizados mais queremos ser, mesmo que ainda os bárbaros tentem romper com violência esse processo. A civilização sempre vence. 

A obra pronta muitas vezes é linda ou causa estranheza, mas por trás de qualquer sentimento que produza em quem a contemple pronta, existe a laboração interna e externa, de tal maneira que as duas se acertem no tempo do cozimento da obra. E esse tempo é o momento do artista, que não sabe viver sem ter no seu tempo a matéria viva que ao cozinhar em seu âmago, alimente seu viver.

Quem nasceu primeiro? O ovo ou o pintinho? eis a questão. O ser ou o vir a ser? Old questions...

MIGUEL AI/IGELO

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