sábado, 19 de fevereiro de 2022

LIVE PELO MUSEU CASA DE PORTINARI -100 anos depois - A atualidade da Semana de Arte Moderna de 1922


   A ATUALIDADE DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922

             A arte sempre foi transgressora, poderia citar aqui inúmeros exemplos, ou seja, a Arte é ideologicamente progressista, pois nunca se conforma com o status quo.  Mesmo nos longos períodos de predominância de determinados estilos ou estéticas, como no período que prevaleceu as regras das Academias europeias, asa quais ditavam as normas do fazer artístico assim como a maneira de enxergar o mundo, foi havendo mutações de percepções.

A Arte moderna que através de suas vanguardas do século XX, estabeleceu a ditadura da transgressão. Através de seus manifestos, futuristas, dadaísta, surrealistas etc., ditavam uma nova forma de ver e do fazer artístico. Não aceitando mais entre os artistas qualquer regra acadêmica.

Na virada do século XIX/XX os ares da modernidade palpitavam nas mentes humanas, trazendo a tona essa exigência pelo novo, pela renovação dos costumes, como também da percepção humana. E as mentes de artistas e cientistas inconformados com o que esta estabelecido é que fazem a ponte para a realidade.

Se a arte e os artistas fossem conservadores estaríamos ainda no estilo rupestre.

Se temos uma Capela Sistina que passa a mensagem além do que a igreja queria na época e ainda deixa mensagens subliminares precisou um artista inconformado com o clero apesar de ser pago por ele

Se temos novas regras de proporção, perspectivas, expressividade facial nas figuras e novas técnicas de pintura  no renascimento é porque artistas como Giotto, Van Eick, Leonardo e Michelangelo inconformados com a realidade ainda com os resíduos bizantinos e o mundo gótico próximo ainda dos céus dourados, mudaram totalmente o ideário imaginário da época com suas novas percepções e experiencias.

Se temos uma Guernica, uma LES DEMOISELLES D’AVIGNON de Picasso é porque este virou as costas para tudo que já existia, não se perturbando de ser ridicularizado

Temos Kandinky que virou as costas também as imagens reconhecidas pelo cérebro, trazendo o novo ver e perceber do universo abstrato.

São tantos exemplos que pudemos buscar na história da arte que mostram o quanto os artistas com seus recados artísticos foram transgressores.

Uma pergunta não quer calar:

Quando uma forma de expressão artística se degenera e encerra um ciclo?

Resposta: Quando a transgressão quer se tornar um status quo, quando se torna um establishment, quando passa a ser permanentemente o novo normal, quando quer permanecer ditando, não inovando, quando deixa de ser questionadora do passado recente. Pois ai deixa de trazer o novo olhar e passa ser uma norma, um cânone.

O próprio movimento da Arte moderna nos mostrou isso. Quando os artistas passaram a discriminar tudo que não fosse moderno, quando passaram a perseguir e humilhar o que não estava dentro de seus cânones. Isso mesmo, cânones, quando passa a ser uma receita, um ismo. Ai perde o sentido do novo, da transgressão. Quando se torna norma a transgressão aí caímos no previsível, no pensamento linear, e para transgredir o previsível? Eis a questão!

Depois de 1945 os ares de cansaço das vanguardas começaram a ser sentido, ou seja, as normas ditadas pelos artistas modernos foram caindo no lugar comum. Surgindo então daí os movimentos Pós-Modernos.

Como seria difícil transgredir os transgressores! Que foram os artistas modernos até então. Portanto, já estávamos férteis com um novo universo de imagens colocadas aos olhos da humanidade por essa nova leva de artistas que permearam as Vanguardas. Para tanto os ares do pós modernismos se apoiaram na transgressão do vale tudo, nada a discriminar. Foi isso que os pos modernos fizeram. Qualquer manifestação artística(?) seria válida, mesmo que ela estivesse eivada pela arte clássica, desde que tivesse os traços do mundo contemporâneo.

Mas ai o vale tudo descambou, perdendo-se de vista até mesmo a noção do artista transgressor. Começando a permanecer o perfil do instantâneo, do “imediatico” (criando aqui um neologismo) do nada....do vazio. Tivemos até uma Bienal que assim se intitulou: Bienal do Vazio (28ª)

É isto, a arte contemporânea caiu no vazio, e faz tempo, e o pior que os assim se intitulam passaram a ser discriminadores do passado, tudo o que o pós modernismo não quis. Olham com ar de superioridade qualquer manifestação que não seja do modismo que perpassam pelas galeria e centros culturais “contemporâneos”. Pior ainda serem fabricados da noite para o dia, artistas que são valorizados pelas lavagens de dinheiro. Caindo por terra todo ideário da Arte, tornando uma modinha, vazia, que se consome de um ano para o outro; sendo esquecida como manifestação da mente humana. Logo desaparece, evapora, e nem é lembrado, salve raras exceções, nesta sociedade altamente mediática e materialista. Nada contra os bens materiais criados pelo espirito humano, mas apenas o vazio do esplendor doa amor da matéria pela matéria.

Não vou desprezar aqui manifestações pós modernas que foram muito geniais, mas devo dizer que a porta foi aberta no período das vanguardas mais especificamente no período dadaísta, quando a arte levou ao extremo a ideia de transgressão, que chegaram ao extremo de proporem ate o fim da arte e da cultura, pois revoltados e feridos pela violência do período de guerra que a pouco tempo assolara a civilização europeia, a comunidade artística questionavam então o valor que essa cultura humana tinha, pois apesar de tanta evolução cultural, artística, bla, bla, bla, não tirou do ser humano o ódio, a violência, não tornou-o mais solidário, menos primitivo nos sentimentos.

O questionamento levado as últimas consequências, levam a tal inconformidade propondo então decretar o fim dessa cultura, que não serviu nem para tornar o ser humano mais humano, reunidos pelo nome de dadaístas propuseram então decretar o fim da arte, o fim dessa cultura que não serviu pra nada, daí os deboches e manifestações artísticas, (antiartísticas) que tiveram como desfechos novas formas de expressão como as instalações, foto montagem, colagens, intervenções e performances, criando obras de fundo conceitual, as quais o mais importante é a ideia por detrás da imagem. Mudando totalmente a concepção da contemplação do belo artístico. A arte já vinha se refundando desde a passagem do século e chega ao seu ápice no dadaísmo.

A questão toda que vemos em termos de criticidade histórica na dita Arte Contemporânea é a despersonalização da arte, em sua maioria das vezes nem assinadas é , alguns podem dizer sobre isso que a assinatura é vaidade. Valendo tudo não precisa nem ser autoral, podendo ser gerida por uma agremiação, um grupo, pode ser um projeto que se manda construir, ou anônima mesma, pode ser um evento que começa e vai até se deteriorar e jogar no lixo. Portanto precisa de altos financiamentos. O suporte de sustentação é infinito, a arte geográfica, pode ser até no deserto ou na cratera de um vulcão. Vale tudo mesmo. Só não vale dizer que isso não é mais como arte, que extrapolou toda ideia que temos de arte, que são manifestações as quais poderíamos encontrar uma outra definição dentro da cultura humana, porque além de não transgredir mais nada, por ficar na maioria das vezes, no campo mediático, ou seja, de chamar a atenção e partir, podendo até permanecer, mas tendo sua construção custado muitos milhões de dólares, como na obra de Damien Hirst , refletindo a potência e poderio material. Muitas vezes sendo financiada pela lavagem de dinheiro

Artistas sem recursos não tem mais espaço por ai, a não ser fazer alguns grafites para desenfeiar muros e quarteirões destruídos pelo tempo.

Posto tudo isso acima vamos agora entrar na Semana de Arte Moderna de 1922.

 No primeiro dia da Semana de 1922 foi declamado o poema “Pronominais” que de cara já propõe um rompante com os Parnasianos que eram os guardiões da métrica impecável, da maneira culta de se expressar. Propõe já uma transgressão à moda caipira.

Pronominais

 

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro.

 

Oswald de Andrade

 

Aliás grande parte do manifesto dadaísta foi discorrer sobre as palavras:

“Não quero nenhuma palavra que tenha sido descoberta por outrem. Todas as palavras foram descobertas pelos outros. Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros. As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio.

Vemos, portanto, que esse manifesto de 1916 chegou bem antes da Semana pelo grupo que se reuniu no Café Voltaire em Zurique, ou seja 6 anos antes.

Assim como o Homem Amarelo do expressionismo de Anita Malfatti foi movimento que teve seus primeiros precursores na passagem do século, ou seja, 22 anos antes.

Assim como o cubismo de Ismael Nery e Di Cavalcante deu-se início em 1905

Mas nada disso diminui nossos artistas pois esses estilos depois de iniciados tiveram grande número de artistas que continuaram a produzir obras por décadas.

A proposta de Oswald parece ter vingado, portanto, de comer toda a arte estrangeira para pegar sua força como os índios antropófagos faziam com os guerreiros capturados.

Na verdade, a Arte é universal, o eco dos grandes centros artísticos europeu atingiu várias partes do mundo. Portanto esse eco chegou com alguns anos de atraso devido a nossa cultura arraigada aos moldes burgueses da época que cultuavam as expressões acadêmicas, levando algum tempo para assimilar as novas manifestações. Sendo só aceitas oficialmente sob vaias e enfiadas goela abaixo pelos artistas componentes da Semana de 22.

Na resenha de André Luís Borro sobre o livro Tietê, Tejo, Sena: A obra de Paulo Prado, de Carlos Eduardo Berriel “Com a Semana, a obra”, que cita: “há uma afirmação um tanto quanto radical de Paulo Prado em relação à arte brasileira: “sempre nos aparece em atraso de cinquenta a trinta anos todas as questões referentes à arte e à literatura. Quando as novas fórmulas, já gastas e esgotadas, desaparecem, ou se refugiam nos museus ou bibliotecas da velha Europa, surgem elas envelhecidas e fora da moda nos nossos centros intelectuais” (do artigo “Brecheret”) do livro “Tietê, Tejo, Sena”: A obra de Paulo Prado, de Carlos Eduardo Berriel

 Portanto, na verdade esses artistas participantes da Semana eram de origem de ricas famílias, da burguesia paulista. Na verdade, já havia um saturamento da arte acadêmica da poesia parnasiana, corria se uma onda que era mais interessante e ficava mais visível usar os rompantes vanguardistas que sopravam do continente europeu. ... A própria burguesia já não aguentava mais seu artificialismo intelectual.

Toda essa contraditoriedade ideológica entre a política e a arte, mostra uma face oportunista do brasileiro. Somos levados para onde sopram os ventos que dão status mas sem consistências valorativas e formativas. Foi isso que aconteceu, portanto caiu na mão de cabeças que tinham bastante profundidade e sensibilidade como Mario de Andrade, Oswald e demais integrantes da semana, tornando bem mais fácil buscar modelos prontos de transgressões pela arte nas Vanguardas Europeias.

É muito diferente o porquê da criação de uma obra expressionista em sua origem dentro dos primórdios da escola expressionista que surgiram de uma crise social e humana na passagem do século, e de Anita Malfati que pintava à maneira expressionista. Era membro de família burguesa, com formação em colégios internos e cursos no exterior

Muito diferente do nosso Candinho, de nossa vizinha cidade de Brodowski que estudou ate o terceiro ano escolar, e tudo tentou para conseguir o prêmio que o levaria a Europa para estudar Arte. Neste ponto nos faz pensar num clamor que os cariocas sempre fazem de que eles foram mais modernos que os paulistas, mas nesse episódio do prêmio que Portinari recebeu prêmio do Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro nos mostra algo ao contrario, não estamos aqui falando da relevância de cada um desses estados em termos de arte.

Na primeira tentativa de Candinho em 1924, Portinari envia 9 retratos acadêmicos mais o “Baile na roça” de estilo muito mais espontâneo, mais expressionista, com pinceladas a la primma. Para sua surpresa foi aceito os nove retratos acadêmicos e o Baile na Roça foi devolvido. Portinari ficou com isso entalado na garganta por um bom tempo. Em 1928 enviou o retrato de Olegario Mariano, seguindo os moldes academicistas, então conseguiu o prêmio de viagem ao exterior. Sendo mantido pelo poeta Olegário Mariano, Portinari escreve-lhe uma carta onde lamenta-se disso.

Continuo cheio de saudades de todos de nossa casa. Isso aqui é muito bom, muito gostoso, mas quem nasceu aí, não pode viver muito tempo fora

O Brasil é mais bom, muito mais. Depois, a gente se lembra de tudo e de todas as coisas desarranjadas do Brasil, da terra da gente – das igrejas sem estilo, daquela gente boa que não sabe ler… Aqui é tudo arrumadinho, as igrejas dos lugarejos mais bestas são de estilo puro. O pessoal daqui sabe os direitos que tem. Oh! coisa sem sal…

Estou com uma saudade danada de todos de nossa casa”.

E em outra carta diz:

Vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor…

Portinari filho de família de imigrantes tinha a simplicidade de pessoa do interior. Seu traço expressionista com influencia do cubismo que estudou pelos museus de Paris quando de sua viagem prêmio. Faz um estilo moderno visceral baseado em sua personalidade e em suas origens simples.

Enfim o que continuamos a ver na arte neste nosso pais são manifestações hipócritas onde instituições culturais que colocam a arte contemporânea acimas de qualquer manifestação do passado, principalmente as modernista, portanto o nascedouro dessas novas vertentes contemporânea surgiram na arte moderna mais especificamente no período dadaísta, entretanto com variações que permeiam as outras escola das vanguardas.

Sentimos nesse emaranhado de proposições com facilidade o que quer ser apenas mediático, mas ainda se fazem nos nossos dias obras marcantes de conteúdo que atingem nosso amago, que permanecem dentro de nos modificando-nos o conceito de mundo como por exemplo a “Noite estrelada” de Van Gogh, Guernica de Picasso, “O grito” de Munch e quantas mais poderíamos citar, mas podemos buscar obras no período clássico também como uma Vênus de Milos, ou um Apolo de Belvedere, um David na Renascença. Enfim tantas obras que ficam entranhadas em nosso inconsciente coletivo tornando-se geradoras de concepções e imaginações estéticas dentro de nossa história de vida.

O que não podemos fazer é incorrer no erro que muitos dos contemporâneos passam a cometer querendo criar uma ditadura de obras conceituais mediáticas, a vida como lapso de tempo já vivenciamos cotidianamente em nossas atividades de trabalho e laser, precisamos do contemplativo, do menos conceitual, da paisagem imaginaria que entra e fica e nos deixa respirar.

Na carta de abertura de Graça Aranha tem todas a propostas que vingaram tanto nos artistas modernos como contemporâneos, na verdade vivemos ainda o moderno sob novas facetas

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